segunda-feira, 2 de junho de 2014
PARECER Nº , DE 2014
Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E
CIDADANIA, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 39,
de 2014, do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que dispõe
sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais.
RELATORA: Senadora GLEISI HOFFMANN
I – RELATÓRIO
Submete-se à apreciação desta Comissão o Projeto de Lei da Câmara
(PLC) nº 39, de 2014, de autoria do Deputado Arnaldo Faria de Sá,
que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais.
O Projeto, em boa parte oriundo da proposta elaborada no III Congresso Nacional de Guardas Municipais, realizado em Curitiba/PR, em 17 de setembro de 1992, pretende instituir normas gerais para as guardas municipais,
que já se fazem presentes em inúmeros municípios brasileiros, com papel
essencial e destacado na segurança pública urbana e na proteção
municipal preventiva. Apoiado por manifesto emitido em maio de 2014 pela
Conferência Nacional das Guardas Municipais, o projeto tem por
objetivo, conforme seu art. 1º, regulamentar o §8º do art. 144 da
Constituição Federal (CF), segundo o qual os Municípios poderão
constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens,
serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
O
art. 2º prevê que as guardas municipais têm por incumbência a proteção
municipal preventiva. Possuem natureza civil, mas uniformizadas
e armadas, embora permaneçam as restrições contidas na Lei nº 10.826, de
22 de dezembro de 2003, conhecida como "Estatuto do Desarmamento".
O
art. 3º enumera os princípios de atuação das guardas
municipais, fundados na proteção dos direitos humanos fundamentais,
exercício da cidadania e das liberdades plenas, além de assinalar, entre
outros compromissos relevantes, o foco na evolução social da
comunidade.
O
art. 4º do projeto reafirma a destinação das guardas municipais que é
prevista no art. 144, §8º, da CF, definindo como competência geral
a proteção dos bens do município, seus serviços e instalações,
abrangendo os de uso comum, os de uso especial e os dominiais.
Em
seu art. 5º o projeto especifica detalhadamente aquelas atribuições
gerais, destacando-se a presença e a vigilância para prevenir, inibir
e coibir infrações penais e atos infracionais que atentem contra os
bens, serviços e instalações municipais; a colaboração de forma
integrada com os órgãos de segurança pública em ações conjuntas que
contribuam com a paz social; a proteção ao patrimônio ecológico,
histórico e cultural, arquitetônico e ambiental do Município; a
cooperação com os demais órgãos de defesa civil em suas atividades; a
interação com a sociedade civil para discussão e solução de problemas e
projetos locais voltados para a segurança das comunidades; o
estabelecimento
de parcerias com órgãos estaduais e da União, ou com Municípios
vizinhos, para o desenvolvimento de ações preventivas integradas;
o auxílio na segurança de grandes eventos e de dignitários; e a atuação
na segurança escolar.
O art. 6º prevê que as guardas municipais poderão ser criadas por
lei municipal e serão subordinadas aos prefeitos.
O
art. 7º dispõe sobre o efetivo máximo das guardas municipais, de acordo
com a população do Município, e o art. 8º prevê que
municípios limítrofes podem compartilhar suas guardas municipais
mediante consórcio público.
Os
art. 9º e 10 estruturam as guardas municipais em carreira única,
formadas por servidores públicos com plano de cargos e
salários, conforme dispuser a lei municipal, e relacionam os requisitos
básicos para investidura no cargo de guarda municipal, entre os quais a
exigência do nível médio de escolaridade, além de outros que poderão ser
estabelecidos por lei municipal.
O
art. 11 trata da capacitação específica para o exercício
das atribuições de guarda municipal, exigindo matriz curricular
compatível com essas atividades, que poderá ser adaptada da matriz
nacional da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Para
atender a essa exigência, o art. 12 faculta aos Municípios a criação de
órgão de formação, treinamento e aperfeiçoamento dos integrantes da
guarda municipal.
Os
art. 13 e 14 integram o capítulo do projeto que trata do
Controle, determinando que o funcionamento da guarda municipal deverá
ser acompanhado por órgão de controle interno (via corregedoria) e externo (via ouvidoria),
prevendo ainda que lei municipal tratará do código de ética para
as guardas municipais, vedando a aplicação de regulamento disciplinar
militar - alinhando-se, portanto, com o art. 19, que veda a
hierarquização militar das guardas municipais.
Os
arts. 15 a 18 cuidam das prerrogativas referentes ao provimento de
cargos em comissão (inclusive o de diretor), percentual mínimo de
ocupação de cargos por mulheres, progressão funcional, reforça a
autorização de porte de arma conforme previsto em lei, cria linha telefônica direta (153) e frequências de rádio específica, e assegura ao guarda municipal o recolhimento em cela isolada na hipótese de prisão - antes de condenação definitiva.
O
art. 20 reconhece a representatividade das guardas municipais
no Conselho Nacional de Segurança Pública, no Conselho Nacional das
Guardas Municipais e no Conselho Nacional de Secretários e Gestores
Municipais de Segurança Pública.
Finalmente,
os arts. 21 a 23 trazem disposições diversas como a padronização dos
equipamentos e do uniforme, o prazo de dois anos para adaptação das
guardas municipais existentes a esta nova lei, a possibilidade de que a
guarda municipal possa adotar denominação distinta e consagrada
pelo uso, e a cláusula de vigência imediata.
Não foram apresentadas emendas no prazo regimental.
II – ANÁLISE
De
acordo com o art. 101, I, do Regimento Interno do Senado Federal
(RISF), compete à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ) opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade
das matérias que lhe forem submetidas por despacho da Presidência. Além
disso, conforme o art. 101, II, c, do RISF, também compete à CCJ emitir
parecer, quanto ao mérito, sobre as matérias de competência da União,
entre elas, segurança pública.
De
imediato, observo que não foi encontrada nenhuma inconstitucionalidade
formal ou material no projeto. A Constituição Federal prevê que a União
estabelecerá normas gerais sobre proteção ao patrimônio histórico,
cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, VII e § 1º, da
CF) e que a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos
responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência
de suas atividades (art. 144, § 7º, da CF). Ademais, o §8º do mesmo art. 144 da CF determina que os Municípios
poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de
seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
O
projeto observa a juridicidade, por atender aos requisitos de adequação
da via eleita, generalidade, abstração, coercitividade, inovação
e concordância com os princípios gerais do Direito, e obedece ao
Regimento Interno do Senado Federal.
Quanto
ao mérito, o projeto é oportuno e conveniente, por regulamentar em
nível nacional as guardas municipais, padronizando seus princípios,
atribuições, criação, exigências para investidura no cargo, capacitação,
controle interno e externo, prerrogativas, vedações
e representatividade.
Os
institutos de pesquisa mais renomados tem demonstrado que a segurança
pública está entre as primeiras preocupações da população brasileira.
E
não foi por outra razão que o legislador constituinte admitiu uma
atividade de polícia a partir das guardas municipais, resumindo, nesse
modelo, uma atividade de segurança comunitária - inclusive para apoio
aos órgãos policiais estaduais e federais, quando for o caso.
Em
muitos países as guardas municipais são importante alternativa para
somar ao sistema de segurança pública, a exemplo dos Estados
Unidos, Espanha, Portugal, Itália, Bélgica, França e Países Baixos. Essa
solução se adapta muito bem ao caso brasileiro, por se tratar de um
regime federativo, onde o poder de polícia é distribuído pelas três
esferas de Poder: a União, os Estados e os Municípios. Aliás, dados do
IBGE apontam que a guarda municipal já está
presente em mais da metade dos municípios com população superior a 100 mil habitantes.
A
diversidade de guardas municipais traz desafios que, enfim, estão sendo
enfrentados pela proposição em apreço. As inúmeras leis municipais que criaram as diversificadas corporações de guardas pelos municípios brasileiros não conferem uma identidade mínima nacional a estes profissionais, mas sim uma
identidade própria para cada Município, o que por vezes pode até
afrontar o texto constitucional pela distinção de funcionamento entre as
instituições. É importante, portanto, estabelecer em legislação federal
um conjunto de características gerais e funções que sejam próprias de
todas as Guardas Municipais do país.
Uma
das formas de construir e consolidar a identidade e a padronização das
instituições passa necessariamente pela formação, capacitação e
treinamento destes profissionais, tema este que restou delineado pelo
presente projeto, na medida em que prevê a adaptação da matriz
curricular nacional para formação em segurança pública elaborada pela
Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Mais
do que isso, a proposição admite que os Municípios possam criar órgão
próprio de formação, treinamento e aperfeiçoamento dos integrantes da
guarda municipal ou, alternativamente,
possam
firmar convênios ou consorciar-se visando ao atendimento da
necessária capacitação específica para a atividade - neste particular, a
proposição abre espaço para que o Estado possa manter órgão de formação
e aperfeiçoamento centralizado para atendimento aos respectivos
Municípios mediante convênio. Seguramente, um dos principais avanços da
proposição corresponde ao reconhecimento do poder de polícia das guardas
municipais, ampliando-se o conceito anterior de uma guarda municipal
meramente patrimonial para um novo paradigma, focado também na
preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição das perdas,
patrulhamento preventivo, proteção sistêmica da população, entre outros.
O novo conceito, definitivamente, ampara e dá segurança jurídica à
atividade policial das guardas municipais, permitindo-lhes maior
contribuição para a redução e prevenção da criminalidade e da
violência. Outro avanço significativo que merece destaque no projeto ora
em apreciação por esta CCJ é a fixação de um limite quantitativo para o
efetivo a ser criado para as guardas municipais, que deverá obedecer ao
percentual definido por esta lei geral em comparação ao número total de
habitantes do respectivo Município, admitindo-se que Municípios
limítrofes possam compartilhar reciprocamente os serviços da guarda
municipal mediante consórcio público. Obediente aos princípios
constitucionais da legalidade, impessoalidade e eficiência, a regra
geral determina os requisitos básicos para investidura no cargo público,
e cria, ainda, um capítulo próprio para o controle interno e externo
com órgãos permanentes, autônomos e com atribuições específicas de
fiscalização, investigação e auditoria, tanto para apurar
eventuais infrações disciplinares atribuídas aos integrantes desse
quadro de pessoal, como para receber, examinar e encaminhar reclamações,
sugestões, elogios e denúncias acerca da conduta de dirigentes e
integrantes da guarda municipal. Cumpre registrar, ainda, que a
proposição tem o cuidado especial de assegurar aos integrantes da
carreira de guarda municipal um direito típico dos agentes policiais do
sistema de segurança pública vigente, qual seja, a garantia de
recolhimento em cela isolada nos casos de prisão - antes de
condenação definitiva -, protegendo-se, desta forma, a integridade
física e a vida desses profissionais, de forma preventiva, pois são
vistos como inimigos pelos criminosos.
De
todo o exposto, manifestamos nossa opinião de que o PLC nº 39, de 2014,
representa mais um importante instrumento para o sistema de segurança
pública, com o objetivo de atender essa que é uma das
principais demandas da sociedade, realizando a atividade de segurança
urbana, a função de proteção municipal preventiva e apoiando os órgãos
policiais estaduais e federais nessa atividade fundamental. Reconhecemos
que o projeto não esgota toda a pauta de necessidades dos integrantes
dos quadros das guardas municipais, que deverá permanecer como objeto de
atenção permanente por esta Casa Legislativa. Mas são inegáveis os
avanços conquistados para a categoria e para a sociedade. Não é demais
lembrar que a aprovação do projeto trará inúmeros benefícios, tanto para
o ente federado que é o Município, como para os profissionais das
guardas municipais, como ainda para o sistema de segurança nacional em
geral - o que representará, sem dúvida, um ganho efetivo para a
sociedade:
a) será criada uma identidade nacional para as guardas municipais;
b)
a estruturação em carreira única com progressão funcional e a ocupação
de cargos em comissão somente por integrantes dessa carreira, motivando
os guardas municipais a desempenharem um trabalho cada vez melhor;
c)
as guardas municipais serão valorizadas, tendo existência própria,
permanente e subordinação direta ao chefe do Poder Executivo local;
d) as guardas municipais terão poder de polícia, reconhecendo-se a importância de seu papel na proteção à vida e ao patrimônio.
III – VOTO
Em face do exposto, manifestamo-nos pela aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 39, de 2014.
Sala da Comissão,
, Presidente
, Relatora
SENADORA GLEISI HOFFMANN