A onda de suicídios entre agentes e delegados federais revela omissão
do governo: e um vasto universo de 68,31% dos delegados da PF sustenta
que o governo pratica a desfaçatez face a má condição psicológica dos
policiais.
Estas são as opiniões de Marcos Leôncio Ribeiro, presidente da
toda-poderosa Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal
(ADPF)
No dia 13 de junho passado
este blog denunciou que
uso político da Polícia Federal por parte do governo tem feito os
agentes baterem recorde histórico de suicídios e afastamentos da
instituição por problemas psicológicos e assédio moral.
Passada uma semana da denúncia, mais dois casos ocorreram: o de um
agente de São Paulo e, em Campo Grande, o suicídio de um delegado
federal.
Marcos Leôncio Ribeiro diz o que acha de tudo isso:
1- Há confrontos com a FENAPEF, a entidade sindical dos agentes, e os delegados ?
Há visões distintas sobre a organização e funcionamento da Polícia
Federal entre os diversos cargos policiais e administrativos que compõe o
órgão. Isso não ocorre apenas entre agentes e delegados. Basicamente, a
divergência com os delegados reside no entendimento de que existe
hierarquia entre os cargos que compõe o órgão. E os delegados ocupam o
mais elevado nível hierárquico da instituição, sendo a classe dirigente
da instituição, por força de previsão constitucional e da legislação
penal e processual penal vigente no país.
2-Os delegados estão felizes com a política do atual governo para com a categoria?
A Polícia Federal sempre foi parâmetro para as demais polícias do
país, porém assistiu nos últimos anos um processo de desvalorização.
Hoje somos a 7ª polícia em remuneração para quem já foi a primeira. Em
vários estados foram aprovadas legislações específicas com prerrogativas
e fortalecimento de suas polícias civis, enquanto, até hoje, a Polícia
Federal não dispõe de sua lei orgânica. Todas as propostas legislativas
que concedem maior autonomia funcional, orçamentária, financeira e
gerencial para a Polícia Federal estão paradas no Congresso Nacional por
falta de vontade política do governo. Para se ter uma idéia, o nosso
efetivo policial sequer foi reposto. Em 2014, não temos o efetivo
policial desejado na década de 70. O número de servidores
administrativos do órgão é reduzido e traz uma série de prejuízos para o
órgão inclusive no tocante assistência médica e psicológica dos
policiais federais.
3- Por que as grandes operações da PF sob Lula tanto foram reduzidas sob Dilma?
Os grandes eventos como Rio +20, Jornada Mundial da Juventude, Copa
das Confederações e Copa do Mundo tiveram impacto sensível sobre as
operações da Polícia Federal. A Copa do mundo é hoje "a maior operação"
em andamento, pois exige um grande número de servidores policiais e
administrativos. Todavia, ainda assim com as dificuldades de atender
grandes eventos, a Polícia Federal realizou importantes operações que
inclusive redundaram em CPIs no Congresso Nacional tais como Monte Carlo
e Lava Jato entre outras igualmente relevantes.
4- Em ano eleitoral corre-se risco de uso político da PF?
A cada eleição presidencial, o que mais se assiste são referências à
qualidade do trabalho da Polícia Federal notadamente no combate ao crime
organizado e à corrupção. Afinal, a Polícia Federal goza de confiança
da sociedade brasileira. Isso pode render votos ou perda deles. É
preciso porém que o discurso no período eleitoral se torne uma prática
no governo. Segurança pública não pode ser prioridade nos programas
partidários.
A respeito de uso da PF para proteger ou perseguir políticos, isso
não é possível graças ao atual estágio de nossa democracia. Vivemos em
um país com uma imprensa livre, com sistema pluripartidário, que dispõe
de mecanismos legais de controle externo da atividade policial, com um
Ministério Público ativo e um poder Judiciário forte e respeitado.
Contamos, ainda, com o olhar atento da sociedade civil organizada. As
operações e investigações da Polícia Federal são ora elogiadas ora
criticadas por todos os segmentos político-partidários da oposição e do
governo, em todos os níveis, federal, estadual e municipal. Nenhuma
instituição policial teria tanta credibilidade junto à opinião pública
caso não mantivesse um trabalho verdadeiramente técnico, isento,
transparente, imparcial e eficiente.
5- Como os delegados enxergam a onda de suicídios na PF?
A elevada ocorrência nos últimos anos revela uma omissão
governamental. De fato, para 68,31% dos delegados federais pesquisados
recentemente em todas as unidades da Polícia Federal urge uma política
de gestão de pessoal focada na organização e funcionamento de serviços
de orientação psicológica e assistência médica e psiquiátrica
especialmente para os profissionais que atuam diretamente na área de
segurança, tanto os servidores policiais quanto os administrativos do
órgão. Hoje não temos profissionais para diagnosticar os casos e muitos
menos prestar o apoio necessário.
O governo prometeu isso em 2010, quando lançou as Diretrizes
Nacionais de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos dos Profissionais de
Segurança Pública. Infelizmente, isso não saiu do papel até o exato
momento.